sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Rodolfo Nascimento

Segue abaixo o depoimento do meu grande amigo ultra, o Rodolfo sobre a BR135 2010.


"Um resumo do que foi a prova mais difícil do Brasil realizada nos dias 23 a 25 de janeiro de 2010.
Dia 17 de janeiro – Domingo
Fiz um último treino para a prova. Iniciei as 4h00 saindo do centro de São Paulo em direção ao bairro de Santo Amaro num percurso de 18km feito em caminhada rápida. Seguindo pelas avenidas Brigadeiro Luiz Antonio, Santo Amaro e João Dias. Após ver a cidade amanhecendo e as impressionantes criaturas que povoam e perambulam por essa São Paulo gigante e caótica chego às 7h20 no local onde se realizará a prova dos 10km do SESC Santo Amaro. Encontro os amigos e largo as 8h00 para mais 10km terminando as 9h00. Descanso, me alimento e sigo as orientações da nutricionista Regina. Continuo no caminho inverso até minha residência, chegando ao final do treino às 13h00. Completei os 48km em 7h30.

Dia 22 de janeiro – Sexta feira
Dia de pegar o kit, o numeral a famosa estaca etc. Chego ao Clube Esportiva em São João da Boa Vista e está tudo numa organização primorosa, tem petiscos e frutas para os presentes além de um maravilhoso café, reencontro os amigos feitos na prova em 2009, outros mais chegados. Após toda a apresentação e muitas fotos é servido um lauto almoço, ou seja, um maravilhoso “rango”.
O dia passa numa ansiedade sem limites, à noite os roncadores se vingam sabe-se lá do que e eu pago o pato, tento dormir chutando a cama do lado, mas de que adianta a falta de sono me vence.

Dia 23 de janeiro de 2010 – Sábado
Café da manhã, últimos preparativos, conferir tudo e ir para a praça da largada de mais uma jornada de um dia com 60 horas e uma estrada com 217 km.
Na Praça de São João da Boa Vista já avisto os atletas, apoios, curiosos, organizadores, vou reencontrando muitos corredores e amigos feitos ao longo de tantas jornadas. A banda de música da cidade chega, fotos e muitas fotos. Ouvimos o hino nacional, felizmente a cantora Vanusa não pode vir. O hino nacional brasileiro toca profundamente nossos corações e almas, o trajeto é longo e o choro brota, quanto ainda vou chorar até chegar?

8h00 – Largada da Ultramaratona Brazil 135
No início eu vou correndo leve, até porque a TV está filmando e o povo assistindo, porém logo que saímos da cidade e iniciamos o trecho de estrada eu inicio minha caminhada rápida.
No trecho urbano um jovem de bicicleta fica ao meu lado conversando, em penso ainda não preciso de “pacer” eu queria mesmo é me concentrar, porém o cidadão foi indo e foi indo, num determinado momento perguntei até onde ele iria, ao que disse: eu ainda não conheço este caminho vou até Águas da Prata, eu pensei, noooossaaaaa eu não vou agüentar. O trecho é muito bonito, ladeado por muito verde e imagens grandiosas das montanhas. Após 5 km saímos da estrada de asfalto e passamos para uma estrada de terra e nas subidas onde eu consigo andar bem forte o ciclista ficava para trás, quando me alcançava estava cansado e rindo meio amarelo. De repente entramos numa trilha “single” aonde a bicicleta não ia, ele ficou e eu tenho que continuar.

Águas da Prata – Almoço
Andei forte e cheguei a Águas bem mais cedo do que no ano de 2009, fui recebido calorosamente pelo Fernando, Solange, Jabá (Professor Joilson) e Seu Antonio, almocei, enchi a mochila de água e segui a jornada rumo ao fatídico PICO DOS GAVIÕES. Neste momento estava muito contente com a performance e acelerei.

13h50 – PICO DOS GAVIÕES
Este trecho de 10 km não faz parte do caminho da fé, é uma perna no percurso e é suficientemente estúpida pois são 5km de subida constante e o retorno descendo e as unhas dos dedos dos pés querendo sair do calçado. No desvio para o Pico encontro o apoio da Fabíola e do Rubens, me sirvo de água e continuo, no caminho vou cruzando com muitos corredores visto que estou mais de 3 horas adiantado em relação ao ano anterior, vou fotografando e conversando com todos. Encontro o Edson e o Fabrício descendo e tiramos fotos. Chegando ao topo do morro há uma lanchonete e muitos pára-quedistas fazendo vôos de “paraglider”. Alimento-me, hidrato, descanso e volto para a estrada. Agora uma descida infernal, vejo mais alguns corredores subindo e sempre perguntando quanto faltava para o topo.

19h30 – ANDRADAS.
Chego à cidade de Andradas e está ainda claro e isso me impressiona, pois no ano anterior cheguei tarde da noite, lá está de prontidão o seu Antonio com uma bela sopa de macarrão. É hora de pegar lanternas e agasalhos, pois a longa noite se aproxima sem pedir licença. Neste ponto primeiro erro do trajeto, havia uma conversão à direita e eu segui pelo asfalto e já desconfiado, pois não havia setas nem refletivos resolvi voltar, então apareceu um sujeito do nada, banguela e disse, não é por aqui é por lá, eu também estou indo para lá. No começo estava indo tudo bem, o sujeito falava um mineirês caipirovski e eu ia concordando com tudo, eu queria ir sozinho neste ponto e apertei o passo, ele apertava, eu diminuía ele diminuía e não conseguia falar para o matuto que queria ir sozinho. Então tive uma idéia, falei que iria ao mato urinar e ele poderia ir, fiquei enrolando um pouco e reiniciei a trajeto, 400 metros adiante o sujeito estava lá me esperando, pqp exclamei no susto. Bom, o cara foi me aporrinhando até que achou um colega e eu me livrei, o sujeito até ganhou uma cerveja do apoio do goiano. A chuva apertou e a capa mais atrapalhava do que ajudava, ao menos eu estava seco.

23/01/2010 - 23h50 – SERRA DOS LIMAS
Cheguei ao ponto de apoio, lá estava o Fernando, a Solange e o Antonio, fiz pesagem, colhi urina, banho, dormida e janta. 1h30 após a parada, partida para Crisólia.

24/01/2010 - 7h00 – CRISÓLIA.
Quando a cidade apontou no horizonte, lá estavam Professor Jabá e Antonio. Aqui é preciso salientar que para o atleta que está sozinho a visão das pessoas somada ao raiar de um novo dia é um alento para a superação, e a alegria brota da alma dando um animo novo para o seguimento da jornada. Tomei meu café preto com pão e manteiga, que maravilha. O Professor Jabá amigo de todas as criaturas já estava cercado da cachorrada da cidade, café tomado partimos para Ouro Fino e Inconfidentes. Caminhada tranqüila.

11h15 – INCONFIDENTES.
Parada para o almoço, banho e recuperação dos pés que já tem uma bela coleção de bolhas. Aqui já estou bem cansado e fico um tempo maior que o previsto. Parto para a cidade de Borda da Mata no lugar combinado com o seu Antonio. Andei 20 minutos e desaba uma chuva espetacular, tentei por a capa e ela rasgou, a sorte que havia uma garagem abandonada e lá fiquei aguardando a chuva parar por 40 minutos. A estaca ficou na chuva bonitinha avisando a fiscalização que eu estava lá. Passada a chuva que formou um rio no leito da estrada fui em frente, havia tanta lama que minha altura subiu uns 10 cm. Entrando na cidade de Borda da Mata um sujeito dentro de um carro para ao meu lado e começa uma pregação da bíblia e recita um monte de textos evangélicos como se eu tivesse culpa de alguma coisa, eu fiquei tão “passado” que perguntei se ele era louco e continuei a andar, ele não gostou e deu ré no carro e veio me xingar de novo e disse que na verdade eu é que era louco ai voltou tudo ao normal, pois isso sou mesmo. Cada uma que acontece nessa prova.

18h00 – BORDA DA MATA
Encontrei diversas equipes de apoio e seu Antonio lá estava para me ajudar. Descansei um pouco e segui para TÓCOS DO MOGI. No caminho fiquei muito cansado e a mente já não focava nem as imagens nem os pensamentos e pensei em parar, porém precisava alcançar o apoio.

24/01/2010 - 23h00 – TÓCOS DO MOGI
Aqui também havia muitos apoios e o seu Antonio também, disse para todos que queria desistir e se não descansasse não conseguiria completar o percurso. Aconselharam-me dormir numa pousada ali e foi o que fiz, dormi uma hora e nesse ínterim a policia que havia atuado numa briga na cidade foi vistoriar aquele monte de carros na praça e aconselhou o seu Antonio a guardar a minha estaca dentro do carro, talvez presumindo que ela se transformaria numa arma. Foi quando eu acordei e a fiscalização perguntou sobre a estaca, ai a situação ficou meio tensa e eu perguntei se estava fora da prova ou não, o Luiz disse para continuar e foi o que fiz. O próximo trecho feito por mim no ano de 2009 foi o mais dramático, nunca chegava ao fim e eu tive muitas alucinações então estava curioso para ver que aconteceria este ano.
Seu Antonio me acompanhou no início me esperando a cada quilômetro, fui relembrando o caminho e começou uma névoa muito espessa que me impedia de ver as cercas e os postes, a lanterna de cabeça e a de mão não davam conta, pois rebatiam a neblina e eu somente conseguia ver o piso, não havia ninguém, não havia som, não via casas etc. Num dado momento havia uma conversão à esquerda e passei reto, como já não via setas continuei sem ver e depois de andar bastante sabia que estava perdido, imaginei que indo para frente sairia em algum lugar onde pudesse retomar o caminho ou acabar de vez com a prova. Já estava cansado, sem alimento e pouca água. Olhei o relógio e eram 6h14 estava clareando o dia, mas o sol não aparecia, somente neblina para todo lado, nenhum veículo, casa ou pessoas, apenas aquele monte de vacas inúteis. De repente ouvi o som de uma moto e estendi a mão pedindo ajuda, era uma moça, muito bonita por sinal e eu perguntei se aquela estrada seguia para Estiva, ela disse que não, que ia dar em BOM REPOUSO (quem me dera), então ela perguntou se eu era peregrino eu expliquei que era corredor e que havia me perdido e precisava voltar para onde recomeçava o caminho, ela não se convenceu, eu pedi uma carona e ela disse que estava assustada, que não sabia quem eu era então fui apelando para tudo que pudesse convencê-la e por fim me ofereceu uma carona até a bifurcação, mas cobrou por isso, muito justo e eu paguei a gasolina. Retomei o caminho calculando se ainda dava para terminar a prova e enquanto pensava isso tive a visão maravilhosa do carro de apoio com o Fernando e seu pai Antonio, isso era o que precisava para retomar o animo e continuar, o Fernando recalculou tudo e estabelecemos ali que terminaríamos. Também recebi a notícia de que o Edson e o Fabrício haviam parado para preservar a saúde e como opção pela vida. Fomos andando um pouco mais rápido eu com muita dor e desconforto.

25/01/2010 - 8h10 – ESTIVA
Chegada em grande estilo em Estiva, trotando.
Parada para rever a todos, banho, lanche e preparação para o restante, 43 km, até Paraisópolis. Percurso duríssimo.
Combinamos tudo eu e o Fernando e partimos as 9h36 esperando chegar as 16horas. O Professor Jabá vai nos acompanhando pelo percurso e dando um apoio fundamental. O início até Consolação foi muito duro, não fosse o apoio espetacular do Fernando eu não dava mais um passo. As subidas eu fazia com força e encurvando tanto que quase beijava o chão. Chegamos a Consolação, recomposição e recálculos, interessante que o tempo que é inexorável e não para vai se esvaindo, escapando e as previsões vão caindo uma a uma. Eu lembrava o que havia pela frente, subidas intermináveis em lama pura, porém era preciso continuar (keep going, shosholoza). Avistamos a tal ponte que caiu mais para frente uma pinguela e o Jabá corre lá tirar uma foto. As plantas de meus pés doíam muito, não fosse a magistral confecção de botas e proteções de micropore que faz a fama do Fernando eu não andaria mais.
Depois de diversas subidas duríssimas, aparece um carro com o Clóvis (criador do caminho da fé) e sentencia: Faltam 1h16 e tem 4,5 km pela frente. Foi a senha, comecei a correr e o Fernando me ajudando principalmente nas descidas, pensei, vou correr uns 20 minutos ai reduzimos em 2 km e temos tempo para encerrar. Mais um pouco e avistamos a cidade, a matriz e o hotel central, felicidade, vamos conseguir.
Depois do cemitério com aquele piso de pedras terrível iniciamos no plano nossa chegada triunfal. Aqui vale uma informação que não sabíamos até a chegada, todos davam como perdida a prova para nós, alguns inclusive prevendo a chegada para as 23h, para esses a frase famosa “perdoai, pois não sabem o que falam”, não conhecem um atleta BRANCA ESPORTES, não conhecem os professores Vanderlei, Fernando e Jabá e não conhecem esse maluco do Rodolfo que é um shosholoza, peregrino e teimoso. Enfim ao iniciarmos o último trote vimos alguns desmontando e guardando as coisas nos carros e sentíamos o clima do já acabou e ai aparece o JABÁ com a bandeira nacional e gritando e outros que acreditaram ou se renderam ao óbvio e fomos juntando e vivenciando essa vitória que dividida é multiplicada, que duríssima se torna um alívio e que faz tão bem à alma quanto mal ao corpo.

19h30 – PARAISÓPOLIS – 217 km em 59h30.
Agradecido pela família, pelos amigos e pela vida me impressiona a música e letra da Enya que abaixo transcrevo.

O meu muito obrigado a todos vocês, Branca, Fernando, Solange, Edson, Fabrício, Jabá, Antonio, Mário, Eliana, Amélia, Celso, Fabíola, Rubens, Eliete, Fabiana, Gustavo e tantos outros que não lembramos, porém fazem parte de tudo.

Long Long Journey
Longa Longa Viagem


City lights shine on the harbour,
As luzes da cidade brilham no porto

night has fallen down,
A noite já caiu,

through the darkness
Através da escuridão

and the shadow
E da sombra

I will still go on.
Eu continuarei.




Long, long journey
Longa, longa viagem

through the darkness,
Através da escuridão,

long, long way to go;
Longo, longo caminho a seguir

but what are miles
Mas o que são milhas

across the ocean
De um lado para o outro do oceano

to the heart that's coming home?
Para o coração que está indo para casa?




Where the road
Onde a estrada

runs through the valley,
Passa através do vale

where the river flows,
Onde o rio flui

I will follow every highway
Eu seguirei toda rodovia

to the place I know.
Para o lugar que eu conheço.




Long, long journey
Longa, longa viagem

through the darkness,
Através da escuridão,

long, long way to go;
Longo, longo caminho a seguir

but what are miles
Mas o que são milhas

across the ocean
De um lado para o outro do oceano

to the heart that's coming home?
Para o coração que está indo para casa?




Long, long journey
Longa, longa viagem

out of nowhere,
Lá em lugar nenhum

long, long way to go;
Longo, longo caminho a seguir

but what are sighs
Mas o que são suspiros

and what is sadness
E o que é tristeza

to the heart that's coming home?
Para o coração que está indo para casa?






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CORRER É UM HINO DE AMOR À VIDA."

Rodolfo Nascimento é corredor com inúmeras participacões em provas de ruas, tendo no currículo provas 5 km a maratonas, além de ser veterano na BR135 tendo completado também os 217 km em 2009, além disso o Rodolfo é peregrino e já completou o caminho de Santiago, Caminho da Fé, Caminho da Luz e outros.
Parabéns Rodolfo, tenho orgulho em tê-lo como companheiro de treinos e amigo.


Rodolfo na foto a esquerda com o Rubens antes da largada em São João da Boa Vista

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